Marcha de mulheres quilombolas | Ana Carolina Fernandes / Conaq |
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O Supremo Tribunal Federal (STF) publicou, hoje (13), o acórdão do julgamento dos embargos de declaração sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n.º 3239, que discutiu o Decreto n.º 4.887/2003. A norma regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos.
Os embargos foram apresentados pela Associação dos Quilombos Unidos do Barro Preto e Indaiá, Associação de Moradores Quilombolas de Santana, Coordenação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas de Mato Grosso do Sul, Malungu, Fetagri-PA, Justiça Global, Terra de Direitos e ISA. As organizações atuaram como amici curiae, que significa “amigos da corte” ou “amigos do tribunal”, pessoa ou instituição que auxilia uma das parte por meio dos seus conhecimentos sobre as questões cruciais do processo.
As entidades pleitearam que constasse expressamente a rejeição ao marco temporal de ocupação. De acordo com essa tese, as terras ocupadas por remanescentes dos quilombos só poderiam ser tituladas quando houvesse a comprovação de que as comunidades estavam na posse da área no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.
Em julgamento histórico, em fevereiro de 2018, o STF declarou a constitucionalidade do Decreto n.º 4.887/2003. Na ocasião, a maioria dos ministros reconheceu a não aplicabilidade da tese do marco temporal, mas a decisão não constou expressamente na ementa do julgamento.
Ministra não analisou mérito do recurso
A relatora do caso, ministra Rosa Weber, não conheceu os embargos de declaração, por entender que a possibilidade de interposição desse recurso pelos amici curiae não se aplica às ADIs. Com essa decisão, a ministra não chegou a analisar o mérito do recurso. O voto de Weber acabou prevalecendo - e o STF não “aceitou” o recurso, mantendo o inteiro teor do julgamento de fevereiro de 2018. Apesar disso, os votos dos ministros Edson Fachin e Luís Roberto Barroso reforçaram mais uma vez a rejeição do STF ao marco temporal.
Para Fachin, “apesar de negar conhecimento aos aclaratórios, é pertinente, diante da provocação deste Colegiado, ofertar um esclarecimento em relação ao resultado do julgado”. Fachin destacou que, “da leitura dos votos, é certo, ainda, que esta Corte, ao assentar a improcedência da ação e a consequente validade plena do Decreto nº 4.887/2003, rejeitou a incidência da tese do marco temporal à possibilidade de reconhecimento da tradicionalidade das terras, aptas a configurar a propriedade coletiva das áreas pelos remanescentes de comunidades quilombolas”.
O ministro Luís Roberto Barroso considerou, ainda, que “a comunidade quilombola só não será contemplada com o reconhecimento de seu direito de propriedade caso reste demonstrado que deixou voluntariamente o território que postula e/ou desde que se verifique que os laços culturais que a uniam a tal território se desfizeram. Se a comunidade não permaneceu na área, mas está postulando a sua propriedade, continua ligada a ela, tem a expectativa de retornar e perfaz os demais requisitos para a configuração como povo tradicional, ela faz jus à sua titulação porque essa é a providência que permite a realização da vontade constitucional, qual seja a proteção dos direitos fundamentais culturais da comunidade e da sociedade brasileira.”
Para o ministro Barroso, noção semelhante foi contemplada no julgamento do Caso Raposa Serra do Sol, que analisou a incidência da tese do marco temporal para a demarcação de Terras Indígenas. No voto, o ministro reforçou que “a saída que rompe a continuidade e a tradicionalidade de uma posse indígena é aquela espontânea”.
Embora os embargos de declaração não tenham sido conhecidos, o recurso reforçou a não incidência da tese do marco temporal, tanto para os direitos territoriais quilombolas como para os direitos indígenas, vitória importantíssima para a efetivação dos direitos territoriais dos índios e dos quilombolas.
O racismo que impulsiona os ataques aos direitos territoriais das comunidades quilombolas foi, mais uma vez derrotado por decisão do STF. Com essa decisão quilombolas têm mais um instrumento jurídico para impor ao Estado brasileiro a concretização da Constituição Federal, com a titulação integral dos territórios negros em um prazo razoável.
Juliana de Paula Batista e Fernando Prioste, consultores jurídicos do ISA
ISA
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