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sexta-feira, 19 de abril de 2019

"Pega no laço": por que essa expressão ofende mulheres indígenas...


Luciana Ackermann
Colaboração para a Universa

Curta e direta, a expressão "pegar no laço" retrata e marca profundamente a história das mulheres indígenas. Seja na ficção ou na realidade, tamanha violência ecoa de geração em geração entre os povos indígenas.

Renata Machado Aratykyra, da etnia Tupinambá, 29 anos, jornalista, roteirista, produtora e poeta, lembra, por exemplo, de cenas de filmes de faroeste, nas quais homens brancos destroem aldeias, violentam mulheres e levam-nas em seus cavalos. Seguindo a máxima de que a vida imita a arte e vice-versa, não são raros relatos de mulheres indígenas que foram "pegas no laço" pelo homem branco.

Daiara e Renata - Imagem: Arquivo pessoal
                     
"Existe o fetiche sobre os corpos das mulheres indígenas enquanto objeto, posse e propriedade. Como se estivessem à disposição de servi-los. O desejo pelo domínio dos corpos das mulheres indígenas e também das negras está e; presente no imaginário cultural e social. Nas narrativas, em geral, somos chamadas pejorativamente de 'índia', não temos sequer um nome", afirma Renata.

A jornalista destaca que o total desrespeito em relação às mulheres indígenas é presente até mesmo em novelas "inocentes" e cita o folhetim "Uga Uga", exibido na faixa das 19h, na Rede Globo, entre 2000 e 2001. "Na composição do personagem, ridicularizavam uma indígena caracterizando-a com dentes estragados, uma figura patética, submissa e com forte apelo sexual. Foi difícil. Eu era bem nova e estava na escola, escutava muita coisa calada, talvez por isso tenha me tornado jornalista".
Não é folclore

Renata expõe que não há o quê celebrar nesta sexta-feira (19). "O dia do índio precisa ser desmistificado. Não queremos ser lembrados apenas no 19 de abril. Muito menos que crianças se vistam de índio como se fossemos figuras folclóricas. Acaba sendo mais um período de resistência para a gente, não de celebração. Queremos um dia real da consciência indígena, o 7 de fevereiro, por exemplo, foi instituído como data Nacional da Luta dos Povos Indígenas".

A herança violenta dos colonizadores, que subjuga os povos originários, forma o caldo cultural do estupro de mulheres, estendendo ao feminicídio, segundo Renata, o que agrava ainda mais a situação é o "silenciamento" dos crimes praticados contra a população indígena. Para tal critica, aponta dados do relatório da Organização das Nações Unidas (ONU), divulgado em 2010, mostrando que mais de uma em cada três mulheres indígenas são estupradas ao longo da vida.

Para lidar com a dura realidade, Renata acredita que o melhor caminho é a cultura. Não à toa, dedica-se a ocupar diferentes espaços e lugares: "Conhecer, aprofundar e disseminar os saberes dos povos indígenas fortalece a nossa própria identidade e nos empodera. Reconhecer nossa essência é uma autocura. Acredito que ao amplificar nossas vozes, conquistamos maior representatividade e direitos", diz.

Para reconhecer essa essência, Renata tem trabalhos variados: é cofundadora da Rádio Yandê, a primeira radioweb indígena do Brasil, criadora do podcast Originárias, presente no Spotify e em outras nove plataformas, que integra a Central de Podcast Feminino PodSim, que contará com entrevistas de artistas e músicos indígenas contemporâneos.

Também assina como co-roteirista da série documental "Sou moderno, Sou Índio", que será exibida no CineBrasil TV. Renata também está na organização do Festival Yby da Música Indígena, que será realizado em novembro, em São Paulo, onde uma grande aldeia será erguida para celebrar a cultura indígena tradicional e contemporânea. Faz ainda a produção do centro de cultura indígena itinerante Casa Yandê.

Imagem: Arquivo pessoal
                      
Yuka era um Samurai

Em 2014, foi assistente de produção e de comunicação do músico Marcelo Yuka no Observatório de Ecos. "Tá difícil, perdemos um guerreiro, um samurai, que dizia: 'Era tudo a carga mas o medo não media a vida'. Da experiência de trabalhar com Yuka fica a reflexão -- quando temos sonhos temos que ser persistentes e se preciso, sangrar por eles", analisa a indígena, que nasceu em Niterói e cresceu vendo corpos carregados pelas favelas.

Atualmente, divide-se entre o Rio de Janeiro e a aldeia de origem de seu marido, no Mato Grosso do Sul. O casal faz questão de passar os ensinamentos de seus povos ao pequeno Kali Sini, de 3 anos. E quando chegar o tempo certo, Renata deverá passar às novas gerações os ensinamentos de sua ancestralidade ligados às ervas, plantas e outros saberes deixados pela avó materna.

700 milhões de euros para reconstruir Notre Dame, ZERO euros para ajudar o Haití



Por Libertad Digital

As doações de pessoas físicas e grandes empreendedores continuam crescendo e chegaram a 700 milhões de euros. 

Macron disse que em cinco anos a reconstrução estará concluída, embora especialistas preveem que é preciso mais anos de trabalho. 

"Vamos reconstruir a Catedral de Notre Dame, e ainda mais bonita, e eu quero que ele seja concluído em cinco anos", Macron disse em um discurso à nação na qual elogiou a forma como este desastre tinha demonstrado a capacidade da França para mobilizar e junte-se Primeiro-ministro francês Edouard Philippe, anunciou quarta-feira o lançamento de um "concurso internacional de arquitectura para a reconstrução da agulha" de Notre Dame, destruído pelo fogo que devastou a catedral na segunda-feira à tarde. 

 Zero euros para ajudar o Haiti 

Os Estados Unidos da América e a França se reconciliaram para defender seus interesses imperiais no Caribe. De uma maneira muito inteligente, eles organizaram o golpe de Estado (2004) no Haiti para derrubar o Presidente Aristide, democraticamente eleito. 

Haiti tem um antes e depois do golpe apoiado pela França em 2004, hoje o país é o mais pobre das Américas e o país europeu não levantou um dedo apenas para reconstruir este país devastado esquecido.

* texto traduzido do espanhol.

Uma Páscoa para hoje


Publicado no site do CEBI

por Marcos Aurélio dos Santos*

O caminho de Jesus de Nazaré até a cruz foi pontuado por seu amor libertador a um povo vítima da opressão político-religiosa. Um fato histórico e revolucionário que nos desafia a refletir a páscoa a partir de uma nova leitura do texto bíblico, no contexto da realidade da vida hoje. A páscoa, que celebra a ressurreição do Cristo crucificado não é para ontem, não é para dois mil anos atrás, a páscoa é para o nosso tempo.

Urge repensar nosso velho conceito do que é a páscoa, do seu significado bíblico-histórico, a partir de uma nova lente. Certamente transcende o entendimento reducionista-dicotômico de que a morte e a ressurreição de Jesus se limitou a remissão do pecado pessoal sem levar em conta sua caminhada de libertação e amor entre os pobres e excluídos do seu tempo. Em meio a um contexto sócio-político, o homem da Galileia foi vítima do sistema opressor de seu tempo. Jesus foi preso, torturado e assassinado por se opor ao templo e tudo que ele representava; foi julgado pelos tribunais, religioso e político. Fez oposição ao estado romano, operador da opressão, foi vítima dos mecanismos perversos reservados aos inimigos políticos dos romanos e dos religiosos fundamentalistas(fariseus, escribas e saduceus), o que lhe custou execução como inimigo subversivo.

O livro do Êxodo nos conta sobre a libertação do povo de Deus, que por quatrocentos anos esteve sob opressão no Egito – um período marcado pela escravidão, sofrimento e dor (Êxodo 12). A Páscoa segundo o Êxodo é o povo de Deus em saída, é a celebração da luta de um povo que se levanta com resistência para lutar por sua liberdade, pelo direito à terra, pela comunhão, de um ajuntamento para partilha do pão e defesa da vida de todos/as. O Deus Javé desce para caminhar com o seu povo, que em meio a dor aponta um caminho de amor e esperança para prosseguir na luta libertária com os pobres.

Em uma ligação profunda e concreta com a crucificação e ressurreição do Cristo, muitos estão crucificando Jesus pelo mundo hoje. Em uma linguagem simbólica, podemos falar dos que são crucificados todos os dias, vítimas da exclusão e opressão de um sistema excludente. Corpos vitimados por um sistema injusto, corpos crucificados sob o silêncio dos “cidadãos de bem”. Um silêncio que legitima a morte de negros, de LGBTs, de crianças pobres, de favelados, de moradores das periferias, de mulheres, de líderes que lutam pela terra e moradia, de indígenas e de imigrantes. São milhares de crucificados sob aplausos de uma classe média alienada. O sangue das vítimas clama nas calçadas, nas vielas, nas partes baixas, em uma resposta ao silêncio dos “cidadãos de bem”.
A Páscoa é amor libertário, é vida em abundância, é comunhão e vida comunitária, é compaixão.

Todos e todas nós somos chamados à fraternidade em uma demonstração concreta de amor pelos excluídos, não de palavras em meio a discursos vazios, mas no fazer. A ressurreição dos corpos banhados de sangue pela violência emerge de maneira forte e simbólica nas falas e ações daqueles que decidiram lutar pela libertação dos pobres, ressurreição que deve se concretizar na vida, no dia a dia de cada um de nós.

A ressurreição do Cristo é a libertação dos oprimidos, de vítimas de um sistema institucional perverso e dominador. Que nossa páscoa transborde em amor, compaixão e misericórdia, que possa gerar vida em abundância, assim como fez o Jesus de Nazaré no caminho da cruz.

Enviado pelo autor.

Ilustração de capa: Jesus Mafa.

A cena que é símbolo da Páscoa e do Lava-pés 2019


Por Andrea Tornielli e Silvonei José, do Vatican News

O gesto surpreendente e comovente de Francisco em 11 de abril ao final do retiro espiritual de dois dias pela paz no Sudão do Sul, que o Pontífice hospedou na sua casa, tem um sabor evangélico. E aconteceu exatamente uma semana antes que o próprio gesto se repita nas igrejas do mundo todo para lembrar a Última Ceia, quando Jesus, quase na véspera da sua Paixão, lavando os pés dos apóstolos, indicou a eles o caminho do serviço.

Na Casa Santa Marta, depois de ter pedido “como irmão” aos líderes do Sudão do Sul de “permanecer na paz”, Francisco, com visível sofrimento, quis se ajoelhar diante deles para beijar os seus pés. Ele então se prostrou diante do presidente da República do Sudão do Sul, Salva Kiir Mayardit, e dos vice-presidentes designados presentes, entre eles, Riek Machar e Rebecca Nyandeng de Mabio.

Uma imagem forte que não se compreende senão no clima de recíproco perdão que caracterizou os dois dias de retiro. Não uma conferência político-diplomática, mas uma experiência de oração e de reflexão comum entre líderes que, mesmo tendo assinado um acordo de paz, custam a garantir que isso seja respeitado.

A paz, para os crentes, se invoca diante de Deus. E se invoca rezando ainda mais perante o sacrifício de tantas vítimas inocentes do ódio e da guerra. Alguma coisa deve ter acontecido naquelas horas na Santa Marta, principalmente entre os líderes do Sudão do Sul que acolheram o convite do bispo de Roma, que tem como título aquele de “Servo dos servos de Deus”. Ajoelhando-se com dificuldade para beijar os pés deles, o Papa se curvou diante àquilo que Deus suscitou durante esse encontro de oração.

O Papa beijou os pés ao presidente da República Salva Kiir Mayardit e aos vice-presidentes-designados presentes, entre os quais Riek Machar e Rebecca Nyandeng De Mabior. 

O Papa Francisco exortou os líderes políticos do Sudão do Sul a cumprirem o compromisso de paz que assinaram no ano passado, rezando com eles hoje após dois dias de um retiro espiritual sem precedentes no Vaticano. E acrescentou improvisando:

“A vocês três que assinaram o Acordo de Paz, peço-lhes, como irmão, que permaneçam na paz. Peço-lhes com o coração. Vamos seguir em frente. Haverá muitos problemas, mas não tenham medo, vão em frente, resolvam os problemas. Vocês iniciaram um processo: que termine bem. Haverá lutas entre vocês dois, sim. Que elas ocorram dentro do escritório; diante do povo, as mãos unidas. Assim, de simples cidadãos, vocês se tornarão Pais da Nação. Permitam-me pedir isso com o coração, com os meus sentimentos mais profundos”, disse o Papa.

O Sudão do Sul, com uma população maioritariamente cristã, obteve a sua independência ao separar-se do Norte árabe e muçulmano em 2011, mas no final de 2013 mergulhou num conflito civil causado pela rivalidade entre o presidente, Salva Kiir, e o seu então vice-presidente, Riek Machar.

“Os fuzis temem as flechas”, diz Leonardo Boff sobre o envio da Força Nacional a Brasília


Teólogo critica ação de Sérgio Moro: “Total fraqueza do atual Governo que coloca em Brasília a Força Nacional por medo dos índios que irão à Capital”

Por Revista Forum

No Dia do Índio, o teólogo e escritor Leonardo Boff criticou, nesta sexta-feira (19), a medida tomada por Sérgio Moro, ministro da Justiça e Segurança Pública, no sentido de autorizar o envio da Força Nacional a Brasília. No local ocorrerão manifestações indígenas no evento Acampamento Terra Livre, na próxima semana.

“Total fraqueza do atual Governo que coloca em Brasília a Força Nacional por medo dos índios que irão à Capital. Os fuzis temem as flechas. Se este país tem donos originários são os indígenas e não os imigrantes como os Bolozaro (com z) que aqui chegaram no dia 22 de abril de 1888”, postou Boff em sua conta no Twitter.

Jair Bolsonaro criticou as manifestações indígenas, na semana passada, durante uma de suas transmissões ao vivo pelo Facebook. O presidente se referiu ao evento como “encontrão” e declarou que quem iria pagar a conta seria o “contribuinte”.

Total fraqueza do atual Governo que coloca em Brasilia a Força Nacional por medo dos índios que irão à Capital. Os fuzis temem as flechas. Se este país tem donos origináris são os indígenas e não os imigrantes como os Bolozaro (com z) que aqui chegaram no dia 22 de abril de 1888.

"Dia do Índio deve ser visto como uma data de lutas e não apenas de folclore", afirma pesquisadora


Por O Povo

O Dia do Índio, comemorado nesta sexta-feira, 19, rememora o primeiro Congresso Indigenista Interamericano, que aconteceu em 1940 no México e tinha como objetivo reunir líderes de diversas regiões do continente para zelar pelos seus direitos. A data foi instituída em 1943 no Brasil pelo presidente Getúlio Vargas.

Para a professora Tereza Vasconcelos, professora de Geografia da Universidade Estadual do Ceará (Uece), essa é uma data ainda comemorada como algo folclórico, mas deveria ser pautada principalmente no fortalecimento das lutas por direitos indigenistas.

Celebrar a memória dos seus antepassados e ter uma educação com características indígenas são formas que cada povo encontra para perpetuar sua existência, constantemente ameaçada de extinção. A luta, entretanto, não é só para a perpetuação. Além dos 14 povos indígenas registrados, outros grupos buscam entrar para as estatísticas oficiais.

De acordo com Ceiça Pitaguary, coordenadora-geral da Federação dos Povos e Organizações Indígenas do Ceará (Fepoince) e integrante da Coordenação de Igualdade Racial do Governo do Ceará, além das 14 etnias, outros grupos também estão se organizando.

“Temos assembleias todos os anos, onde é demandado quem aparece e pede reconhecimento. Um dos povos que surgiu no ano passado é o povo chamado Jaguaribara, apelidado de Karão, por conta do cacique deles. Eles estão ali perto dos Kanindé, em Baturité”, conta Ceiça.

A demarcação de terras deve cumprir legalmente quatro fases: identificação e delimitação, demarcação física, homologação e o registro das terras indígenas.

Tereza comenta que o processo demarcatório, principalmente na última fase, passa por muita interferência do setor econômico, como o agronegócio,o turismo e a especulação imobiliária. Ela considera que o número de povos indígenas reconhecidos pelo poder público é muito diferente do que realmente existe devido à essa interferência.  
                 Mapa mostra os 14 povos indígenas que entram para a contagem oficial (Foto: Reprodução/Governo do Estado)

No Ceará, há apenas uma terra totalmente regularizada pelo Estado, que é a terra indígena Córrego João Pereira, no município de Itarema (dos índios Tremembé). Os outros processos ainda encontram-se em curso. De acordo com Ceiça, apenas a reserva dos Anacé que foi diferente, “pois o Governo do Ceará comprou a terra e criou a reserva (primeira reserva indígena do Estado)”

Anacé, Gavião, Jenipapo-Kanindé, Kalabaça, Kanindé, Kariri, Pitaguary, Potiguara, Tapeba, Tabajara,Tapuia-Kariri, Tremembé,Tubiba-Tapuia e Tupinambá. Estas são as 14 etnias indígenas que vivem no território do Ceará, de acordo com o Governo do Estado do Ceará.

Com mais de 26 mil indígenas aldeados, o Estado é o oitavo estado brasileiro com maior população indígena. Até hoje, são 449 áreas regularizadas no Brasil, do total de 679 contabilizadas pela Fundação Nacional do Índio (Funai).

Os primeiros povos

No Ceará, os primeiros povos indígenas estavam concentrados em pontos específicos, como o município de Itarema, Viçosa do Ceará e no Vale do Jaguaribe. Segundo Tereza, essas características ainda podem ser observadas nos povos dessas regiões, tanto em relação aos costumes, como a pesca e o artesanato, mas também aos atributos físicos.

A pesquisadora explica que devido a guerras, as aldeias passaram por diásporas e acabaram se espalhando pelo território, inclusive para a Capital, que tem alguns bairros, como a Paupina, com origem indígena.

Um exemplo desses confrontos foi a Guerra dos Bárbaros, um conflito que envolveu colonizadores portugueses e indígenas de etnias tapuias (que não falavam tupi) no fim do século XVII. Com aliança dos dois lados, o conflito teve batalhas sangrentas e durou pelo menos trinta anos.
Festa do milho na reserva indígena Pitaguary (Foto: Thiara Montefusco/Governo do Ceará)

Os embates causaram, entre outros danos, a extinção de várias etnias. A professora explica que hoje algumas dessas ressurgem após pessoas e grupos se dedicarem a um estudo de sua ancestralidade e se identificarem como indígenas. “Para além dessa descoberta, é preciso ainda ter coragem, porque não é fácil se identificar como um povo indígena diante de todo o processo de dizimação”, ressalta.

Florêncio Sales, mobilizador social da Associação Missão Tremembé (AMIT), participa do grupo desde 1995 e celebra o momento positivo para o ressurgimento de grupos indígenas. “Muitos grupos ficaram em silêncio por muitos anos devido a perseguições e assassinatos, mas agora estão se mostrando, e nós damos todo o apoio.”

A luta pelos direitos indígenas

Além da busca pelo direito à terra, por meio da demarcação, os indígenas lutam por outras conquistas garantidas na Constituição de 1988, como a saúde e a educação diferenciada, baseadas nos seus princípios culturais.

João Venâncio, cacique da etnia Tremembé no município de Itarema, comenta que essa é uma briga por algo que pertence aos indígenas. "Nós como primeiros nativos temos que enfrentar essa briga como uma queda de braço, as conquistas ainda são muito poucas. Quando eles dão uma coisa com a mão eles estão tirando com a outra”, relatou.

O cacique ressalta também que houve um diálogo muito interessante há alguns anos com o atual secretário de Articulação Política do Governo do Estado, Nelson Martins. Em 2017, ele chegou a receber representantes de 20 tribos indígenas do Ceará, após uma manifestação que envolveu cerca de dois mil índios e percorreu os bairros Meireles e Aldeota. Segundo o Venâncio, Nelson se distanciou um pouco do movimento, mas está buscando uma reaproximação.

Ele reclama que a questão indígena no Ceará ainda remete a algo muito folclórico, sempre com a figura do índio estereotipada, que precisa estar “pintado ou trajado”. Para João, ainda que seja necessário refletir acerca da figura do índio e como ele é visto na sociedade, a preservação da cultura tem como ponto principal as atividades dentro da aldeia.“Nós precisamos respeitar nossa cultura e saber que temos uma tradição”, ressalta.

Educação para indígenasTurma de geografia da professora Tereza Vasconcelos visita a comunidade dos Kanindé de Aratuba. (Foto: Arquivo pessoal)

A educação praticada em grandes capitais e até mesmo em cidades de menor porte é, de fato, muito urbanizada, de acordo com a professora Tereza Vasconcelos. Ela explica que essa incompatibilidade com o modo de vida agrário dos indígenas pode limitar a construção do conhecimento.

“Deve-se mudar tanto o currículo como a arquitetura das escolas, respeitando realidades e contextos dos povos indígenas”, pontua a professora, lamentando que a maior carência é em relação ao ensino médio, onde muitos jovens interrompem seus estudos ou vão para uma escola não diferenciada.

O direito à educação diferenciada é, como já citado, uma conquista garantida pela Constituição. De acordo com o decreto nº 6.861/2009, as escolas que atendam essa demanda devem ser organizadas “com a participação dos povos indígenas, observada a sua territorialidade e respeitando suas necessidades e especificidades”.

O decreto fala também que devem ser respeitados os hábitos alimentares dos povos, considerados “práticas tradicionais que fazem parte da cultura e da preferência alimentar local”.

A deficiência é ainda maior quando se trata do ensino superior. O cacique João Venâncio ressalta que ser o único indígena de uma universidade é um “sofrimento muito grande”. Para ele, é fundamental que a educação se baseie em um diálogo entre a cultura indígena e os conhecimentos abordados na faculdade. O ensino no próprio aldeamento também seria uma vantagem, pois os jovens competiriam entre si.

Indígenas lançam campanha contra estereótipos para o Dia do Índio: 'Não precisamos de outras pessoas para nos definirem'


Denílson Baniwa e Katu Mirim militam nas redes sociais sobre a causa e falam como são os indígenas em 2019; artista visual criou camiseta com referência a Star Wars em tupi.

Por Bárbara Muniz Vieira, G1 SP — São Paulo

Em 2018, o artista visual Denílson Baniwa, 35 anos, escreveu um poema sobre os estereótipos sobre indígenas usados nas escolas no Dia do Índio, comemorado no dia 19 de abril. Juntamente com a página Visibilidade Indígena, ele começou uma campanha espontânea contra atitudes como pintura facial em crianças “com canetinhas hidrocor” e cocares de papel.

“Muitas vezes algumas pessoas não reconhecem os índios como eles são atualmente, porque acham que somos como foi reproduzido nas escolas e na televisão: um índio nu, vivendo na natureza. E isso não é mais realidade. Meu poema foi para falar sobre isso, de olhar para o índio de 2019 e não mais para o de 1500”, diz Denilson, que deu entrevista ao G1 usando uma camiseta criada por ele com uma referência à saga Star Wars.

“É uma cena clássica quando o Luke Skywalker reconhece Darth Vader como pai. Escrevi em tupi ‘Luke, eu sou teu pai’. Meu trabalho tem uma coisa voltada para a antropofagia, então eu pego signos modernos da arte e transformo de maneira antropofágica”, explica.

Indígena da etnia Baniwa e nascido no Amazonas, Denilson diz que o “índio hoje é uma pessoa que vive nos mundo atual, se apropriou da tecnologia e busca equipamentos para defender sua cultura”:

Até a década de 70, 80, os índios eram vistos como pessoas que precisavam de tutela e não tinham capacidade de se defender. E hoje buscamos falar isso: que estamos vivos, que temos poder de voz, temos conhecimento e somos capazes de decidir sobre nossa própria existência no mundo sem precisar de outras pessoas para nos definirem ou falarem por nós, diz Denilson Baniwa.

Indígenas em 2019

A ativista Katu Mirim liderou a campanha #ÍndioNãoÉFantasia contra o uso de penas, pinturas corporais e cocares que remetem a povos indígenas no carnaval deste ano. De acordo com a indígena, trata-se de racismo e não homenagem.

Ela é uma das administradoras da página Visibilidade Indígena, que divulga nas redes sociais a militância sobre as causas indígenas.

"Criei a página em 2017 para trazer visibilidade e informações sobre a nossa pluralidade étnica, trazer visibilidade para nossos artistas e apresentar para a sociedade o indígena contemporâneo, o indígena no presente", disse ela ao G1.

Katu é indígena urbana, ou seja, nasceu na cidade. Ela estudou em escola pública e conta que foi a partir de sua experiência que criou a campanha sobre o Dia do Índio nas escolas.
'Eu peço que olhem para os povos indigenas, nos respeitem, lutem conosco', afirma Katú Mirim — Foto: Reprodução/Facebook
                    
"A escola sempre reforçou o estereótipo do indiozinho pelado e selvagem. A professora dava um desenho do índio que só usava uma folhinha pra cobrir as genitais, pintávamos o desenho, fazíamos cocar de papel e quando colocavam na minha cabeça diziam: 'Você é índia selvagem' e batiam na boca. Nunca vi a escola falar a verdade sobre nós", diz ela.

Katu diz que isso ainda não mudou. "Na antiga escola da minha filha, o Dia do Índio ainda está lá, com o cocar de papel, música da Xuxa e pipoca. Uma vez fui buscar minha filha na escola e ela falou para a amiguinha que somos indígenas. A amiguinha respondeu que não, pois, no Dia do Índio, a professora falou que eles moram na oca, no meio do mato e comem mandioca", conta.

Para Katu, a ignorância causa danos aos índios. "Hoje existem etnomídias que abordam essas questões e informação. Não se pode mais errar e continuar reforçando esses estereótipos que ajudam a nos inviabilizar, estereótipos que contribuem com nosso genocídio."

Como abordar o tema nas escolas

O artista plástico Denilson Baniwa, que milita por causas indígenas — Foto: Bárbara Muniz Vieira/G1
                      
Denilson não imaginava que a sua publicação do poema em rede social fosse repercutir quando a republicou neste ano.

“Foi uma provocação para falar sobre o dia 19 de abril, uma data instituída pelo governo que se tornou uma ‘homenagem’ aos indígenas, o que não é verdade. O dia 19 foi instituído com sentimento de resistência e de luta por direitos indígenas no mundo”, diz Denilson.

Para o artista, uma maneira adequada de abordar o Dia do índio nas escolas seria falar da diversidade e importância deles.

“Índio não é tudo igual e não fala tudo tupi. Existem mais de 300 etnias, que falam mais de 300 idiomas. É importante saber que os indígenas são diferentes no Sul, no Nordeste, no Norte, no Sudeste e no Centro-Oeste. São visões diferentes de mundo e de cultura. Essa diversidade é importante para a formação do Brasil e entendimento do país enquanto território nacional”.

Já Katu resumiu a sugestão para as escolas no banner criado por ela.

"Pedi que por favor os professores não reforcem estereótipos, não coloquem a música da Xuxa, não sejam um desserviço. Acho importante a escola levar um indígena para falar, pesquisarem sobre a questão indígena. Nós existimos e resistimos. Está na hora de nos escutarem, entenderem nossas questões e nos deixarem falar. Vocês estão no Brasil, terra indígena, se não respeitam a raiz vão respeitar o quê? Se for pra reforçar estereótipos e racismo, o melhor é ficar quieto."
Campanha da página Visibilidade Indígena sobre o Dia do Índio — Foto: Reprodução/Facebook

Por que 19 de abril virou dia do índio


A data foi oficializada em 1943 pelo presidente Getúlio Vargas, após muita insistência do descendente indígena Marechal Rondon e três anos depois da instituição do dia comemorativo em um congresso realizado no México.

Por BBC News

Dados do Censo Demográfico de 1991 a 2010 sobre a população indígena e não indígena — Foto: IBGE

O dia 19 de abril é conhecido no Brasil todo como o "dia do índio", e essa data não foi escolhida à toa. Sua origem remete a um protesto dos povos indígenas do continente americano ainda na década de 1940, quando um congresso organizado no México se propôs a debater medidas para proteger os índios no território.

O Congresso Indigenista Intramericano, realizado em Patzcuaro, aconteceu entre os dias 14 e 24 de abril de 1940.

Em princípio, os representantes indígenas haviam se negado a participar do evento, achando que não teriam voz ou vez nas reuniões - que seriam comandadas por líderes políticos dos países participantes. Os índios, então, fizeram um boicote nos primeiros dias, mas, justamente no dia 19 de abril, decidiram aparecer no congresso para tomar parte nas discussões.

Foi por conta disso que a data escolhida para celebrar o dia do índio acabou sendo essa.

Eram 55 delegações oficiais no México. Das Américas, somente Paraguai, Haiti e Canadá ficaram de fora. Entre os índios, eram 47 representates dos povos de todo o continente - no caso do Brasil, o delegado enviado foi Edgar Roquette-Pinto, que não era índio, mas foi antropólogo, etnólogo e estudioso de povos indígenas da Serra do Norte, na Amazônia.

Com o fim do Congresso, foram definidas algumas medidas genéricas a serem tomadas em favor da defesa dos povos indígenas. Entre elas, estavam o "respeito à igualdade de direitos e oportunidades para todos os grupos da população da América", "respeito por valores positivos de sua identidade histórica e cultural a fim de melhorar situação econômica", "adoção do indigenismo como política de Estado", e, por último, estabelecer "o Dia do Aborígene Americano em 19 de abril".

Não foram todos os países que adotaram a data como dia de celebração da cultura indígena - e no Brasil ele também levou tempo a ser oficializado, já que o país não aderiu às deliberações do congresso.

Somente em 1943 foi instituído decreto-lei instituído pelo presidente Getúlio Vargas, que finalmente estabeleceu a data comemorativa. O responsável por convencê-lo foi o general Marechal Rondon - que tinha origem indígena por seus bisavós e chegou a criar, em 1910, o Serviço de Proteção ao Índio - que depois viria a se tornar a atual Funai (Fundação Nacional do Índio).

"O Presidente da República, usando da atribuição que lhe confere o art. 180 da Constituição, e tendo em vista que o Primeiro Congresso Indigenista Interamericano, reunido no México, em 1940, propôs aos países da América a adoção da data de 19 de abril para o 'Dia do Índio', decreta:

Art. 1º - considerado - 'Dia do Índio' - a data de 19 de abril.

Art. 2º- Revogam-se as disposições em contrário", dizia o decreto.

Além do Brasil, Costa Rica e Argentina também adotaram a data.

Do Congresso, saiu também a criação do Instituto Indigenista Intramericano, que se tornou um órgão vinculado à OEA (Organização dos Estados Americanos) em 1953. Depois dele, aconteceram mais 11 edições, sendo a última em 1999, na Cidade do México.

Situação dos índios no Brasil

Segundo o censo demográfico mais recente do IBGE, de 2010, existem 817,9 mil indígenas no Brasil de 305 etnias que falam 274 línguas diferentes. O número representar somente 10% do total de índios que existiam aqui em 1500, na época do descobrimento - segundo estimativa dos historiadores, o Brasil tinha milhões de habitantes (índios) à época.

Ainda assim, houve um crescimento da população indígena nos últimos anos, segundo os dados oficiais.

O censo de 2000 revelou crescimento expressivo do número de índios no país, passando de 294 mil para 734 mil em nove anos - segundo o instituto, esse aumento poderia ser explicado não só como efeito demográfico, mas também pelo aumento do número de pessoas que se reconheceram como parte da população indígena (principalmente dos que vivem em áreas urbanas).

Se, por um lado, a população vem aumentando, por outro a demarcação de terras indígenas tem estagnado.

Em julho de 2017, o presidente Michel Temer assinou um parecer polêmico sobre a o tema. Segundo o documento, os índios teriam direito às terras "desde que a área pretendida estivesse ocupada pelos indígenas na data da promulgação da Constituição Federal", o que correspondia a outubro de 1988.

Isso impediria que representantes indígenas reivindicassem terras que não estavam ocupadas por eles naquela época, 30 anos atrás.

Ainda no ano passado, houve outra grande polêmica com os indígenas quando Temer colocou na presidência da Funai o dentista e pastor evangélico Antônio Costa, pouco identificado com a luta pelos direitos dos índios. Ele acabou exonerado poucos meses depois por contrariar indicações do então Ministro Osmar Serraglio, representante da bancada ruralista na Câmara.

Atualmente, segundo a Funai, existem 462 terras indígenas regularizadas, que representam cerca de 12,2% do território nacional. Elas estão espalhadas por todo o país, mas com concentração maior na Amazônia.

Dia do Índio é data 'folclórica e preconceituosa', diz escritor indígena Daniel Munduruku

Daniel Munduruku, pós-doutor em linguística, sugere criação do Dia da Diversidade Indígena — Foto: Divulgação
Doutor em educação pela USP e indígena, Daniel Munduruku diz que a data comemorativa ajuda a cimentar preconceitos sobre os povos tradicionais, e poderia ser substituída pelo dia da Diversidade Indígena.

Por BBC News

"Ao longo da nossa conversa, como o senhor prefere ser chamado: Daniel ou Munduruku?", questionou a BBC News Brasil ao entrevistado. "Pode chamar de Daniel ou de Munduruku. Como preferir. Só não chama de índio", disse, dando risada, o escritor.

Doutor em educação pela Universidade de São Paulo e pós-doutor em Linguística pela Universidade Federal de São Carlos, Daniel Munduruku defende que a palavra "índio" remonta a preconceitos - por exemplo, a ideia de que o indígena é selvagem e um ser do passado - além de "esconder toda a diversidade dos povos indígenas".

Por isso, "quando a gente comemora o Dia do Índio, estamos comemorando uma ficção", fala Munduruku, a respeito do 19 de abril. Reflexo disso são celebrações da data feitas por escolas, com uma "figura com duas pinturas no rosto e uma pena na cabeça, que mora em uma oca em forma de triângulo". "É uma ideia folclórica e preconceituosa."

"A palavra 'indígena' diz muito mais a nosso respeito do que a palavra 'índio'. Indígena quer dizer originário, aquele que está ali antes dos outros", defende Munduruku, que pertence ao povo indígena de mesmo nome, hoje situado em regiões do Pará, Amazonas e Mato Grosso.
As palavras 'índio' e 'indígena' não querem dizer a mesma coisa. E o termo 'índio' está hoje ligado à 'preguiça, selvageria e atraso', diz Daniel — Foto: Prefeitura de Bertioga/Divulgação
                             
"Talvez o 19 de abril devesse ser chamado de Dia da Diversidade Indígena. As pessoas acham que é só uma questão de ser politicamente correto. Mas, para quem lida com palavra, sabe a força que a palavra tem", continua o escritor, autor de mais de 50 livros para crianças, jovens e educadores.

Leia abaixo a entrevista de Daniel Munduruku para a BBC News Brasil sobre o 19 de abril:

BBC News Brasil - Qual o problema da palavra "índio"?

Daniel Munduruku - Do meu ponto de vista, a palavra índio perdeu o seu sentido. É uma palavra que só desqualifica, remonta a preconceitos. É uma palavra genérica. Esse generalismo esconde toda a diversidade, riqueza, humanidade dos povos indígenas.

Quando a gente usa a palavra índio, estamos nos reportando a duas ideias.

Uma é a ideia romântica, folclórica. É isso que se comemora no dia 19 de abril. Aquela figura do desenho animado, com duas pinturas no rosto e uma pena na cabeça, que mora em uma oca em forma de triângulo. Há a percepção de que essa é uma figura que precisamos preservar, um ser do passado. Mas os indígenas não são seres do passado, são do presente.

A segunda ideia é ideologizada. A palavra índio está quase sempre ligada a preguiça, selvageria, atraso tecnológico, a uma visão de que o índio tem muita terra e não sabe o que fazer com ela. A ideia de que o índio acabou virando um empecilho para o desenvolvimento brasileiro.

BBC News Brasil - Então, deveríamos abandonar a palavra "índio" e usar "indígena"?

Munduruku - Uma palavra muda tudo? Sim, uma palavra muda muito. Nos meus vídeos e palestras, eu tenho sempre feito uma separação fundamental entre "índio" e "indígena". As pessoas ainda pensam que índio e indígena é a mesma coisa. Não é. O próprio dicionário diz isso.

A palavra indígena diz muito mais a nosso respeito do que a palavra índio. A palavra índio gera uma imagem distorcida. Já indígena quer dizer originário, aquele que está ali antes dos outros.

Ah, então eu nasci em São Paulo, eu sou indígena? Não, você é nativo. Para ser originário precisa ter um pertencimento a um povo ancestral. O antônimo (contrário) de indígena é alienígena, aquele que vem de fora. Então, eu uso indígena para reforçar o fato de que somos originários.

Além disso, eu não sou um indígena qualquer. Eu tenho um lugar de pertencimento: Munduruku. É importante reforçar a identidade dos povos.

BBC News Brasil - No Brasil, ainda é muito raro tratarmos os povos pelo nome. Por quê?

Munduruku - É muito mais fácil usar uma palavra genérica do que efetivamente dar aos povos indígenas o peso da sua identidade. Identificar os diferentes povos indígenas significa garantir a eles direitos e políticas específicas, não políticas genéricas.

BBC News Brasil - Você já disse que o Dia do Índio, comemorado hoje, 19 de abril, é "uma farsa".

Munduruku - Quando a gente comemora o Dia do Índio, estamos comemorando uma ficção, uma ideia folclórica e preconceituosa.

Por isso, quase sempre as comemorações desta data feitas nas escolas reproduzem o estereótipo. Mas, se nós continuamos tratando isso como ficção, vamos continuar deseducando nossas crianças.
'Comemorações feitas em escolas reproduzem um estereótipo', diz o acadêmico e escritor — Foto: Joilson César / Ag Haack
                
Talvez a data devesse ser chamada de Dia da Diversidade Indígena. As pessoas acham que é só uma questão de ser politicamente correto. Mas, para quem lida com palavra, sabe a força que a palavra tem. Tanto que apelido tem uma força destruidora - e "índio" é, de certa forma, um apelido.

Um Dia da Diversidade Indígena teria um impacto semelhante ao Dia da Consciência Negra, que gerou uma mudança absolutamente significativa.

BBC News Brasil - Então, como deveria ser lembrado o dia 19 de abril?

Munduruku - A sugestão que eu sempre faço para escolas é que a gente possa deixar de usar o 19 de abril como uma data comemorativa. É uma data para a gente refletir. Deve gerar nas pessoas um desejo de conhecer, de entrar em contato com essa diversidade dos povos indígenas.

BBC News Brasil - Ainda há muito estereótipo no 19 de abril, ou já houve uma mudança?

Munduruku - Houve um avanço muito grande na sociedade. Mas, sem dúvida nenhuma, hoje ainda se reproduz muito desse imaginário do "índio". E isso acontece por causa da escola. A escola é a última instituição a se atualizar.

O que acabou ajudando na atualização dos professores foi a lei 11.645, de 2008, que obrigou que a temática indígena saísse do 19 de abril e se tornasse parte de algumas disciplinas escolares. Isso criou condições para os professores se atualizarem, porque obrigou os governos a comprarem livros, oferecerem cursos…

BBC News Brasil - Como foi o seu processo de se reconhecer como indígena e Munduruku?

Munduruku - Eu nasci em 1964, ano do golpe. Em 1967, os militares criaram a Funai, que tinha entre suas prioridades nos tornar civilizados. Isso significava apagar nossa história, nossa identidade. É nesse momento que eu fui para escola. Eu sofri muito bullying, muita violência moral. E isso criou em mim uma espécie de ojeriza pela minha identidade Munduruku.

BBC News Brasil - Como era o bullying na escola?

Munduruku - O bullying é uma forma de criar na gente uma repulsa por aquilo que somos. Na escola, me chamavam de índio de uma forma pejorativa. Dizendo que índio é bicho, é selvagem. Não queriam fazer atividade comigo porque índio não é inteligente.

Parte do ano escolar eu vivia na cidade - essa era uma das estratégias da Funai naquela época, tirar a gente do convívio com a comunidade, para não falar a língua indígena, não conviver com rituais.

Já nas férias escolares, a gente voltava para a aldeia. Mas, algumas vezes, a gente nem queria mais ir para aldeia, com uma certa rejeição à nossa própria cultura. Quem abriu em mim outra perspectiva foi meu avô. Ele me fez aceitar minha identidade Munduruku e gostar de ser quem eu era.

BBC News Brasil - O mês de abril, por conta do Dia do Índio, costumava ser um momento em que o governo federal anunciava medidas ligadas aos povos indígenas - por exemplo, a demarcação de terras. Qual sua perspectiva para este ano?

Munduruku - O presidente Jair Bolsonaro já declarou que não entende absolutamente nada de povo indígena. A Força Nacional acaba de ser convocada para ir para Brasília e coibir qualquer tipo de manifestação do movimento indígena nos próximos dias - que é quando vai ocorrer o Acampamento Terra Livre (assembleia de povos indígenas do Brasil, convocada para 24 a 26 de abril, na capital federal).

Em uma de suas transmissões ao vivo (no Facebook), o presidente disse que quer saber de onde vem o dinheiro para reunir 10 mil indígenas no Acampamento Terra Livre, disse que essa farra vai acabar. Mas o próprio movimento indígena já respondeu que o governo não dá nenhum tostão para mobilização indígena.

Exposição em São Paulo mostra em fotos dia a dia dos índios ianomâmi — Foto: Reprodução/JN
                     
Eu não quero ser profeta do caos. Mas minha perspectiva é que as coisas vão piorar para os povos indígenas nesse governo. Que o governo não vai fazer absolutamente nada favorável aos indígenas. Mas vai dizer que vai fazer, por exemplo, que vai abrir terra indígena para exploração mineral e que isso é positivo porque os indígenas querem ser iguais aos outros brasileiros. E uma parte da população vai acreditar nesse discurso vazio.

BBC News Brasil - Por quê?

Munduruku - Somos brasileiros como todos os outros e temos direito como todos os outros. Mas, no Brasil, quando se fala em direito, as pessoas quase sempre pensam em privilégios. Esse governo tem repetido que o índio precisa ser igual a todos os brasileiros. Quando diz isso, está falando em acabar com os direitos que os indígenas possuem e que foram conquistados legitimamente na Constituição brasileira.

BBC News Brasil - Recentemente, em um debate no Congresso, a senadora Soraya Thronicke (PSL-MS) questionou por que os índios "continuam miseráveis", se "têm em torno de 13% do território nacional, dinheiro destinado, política pública destinada". O que o senhor achou disso?

Munduruku - Uma coisa são as pessoas que realmente vivem na faixa da miséria. Outra coisa é chamar de miserável o indígena, que tem uma cultura milenar.

Quando a gente pensa que uma pessoa é miserável porque ela não é como a gente, porque ela não frequenta shopping center, a gente está sendo não apenas preconceituoso, mas racista. Essa senadora está julgando as culturas indígenas a partir dos parâmetros de riqueza que ela tem. Portanto, nem mereceria ser senadora.

BBC News Brasil - Qual o papel da literatura na mudança da visão do indígena pela sociedade?

Munduruku - A literatura é um instrumento superinteressante de construção de lugares de fala. Tem esse componente muito positivo de alimentar nas pessoas outros olhares, outras facetas da existência.

A literatura que eu faço é comprometida, minha forma de ser militante no movimento indígena. Eu tento usar a literatura para poder falar das nossas culturas. A literatura é fundamental para a gente ir desconstruindo esses estereótipos sobre os povos indígenas e ir construindo uma percepção diferente.

quinta-feira, 18 de abril de 2019

No Brasil racista - Político Canalha de Santos flagrado em áudio: “Os pardos brasileiros são todos mau-caráter”

Foto: Youtube
O secretário-adjunto de Turismo de Santos, Adilson Durante Filho, afirma, entre outras coisas: "Esses caras, têm que desconfiar de todos. Todos que tu conhecer. Essa cor é uma mistura de uma raça que não tem caráter. É verdade, isso é estudo. Todo pardo, todo mulato, tu tem que tomar cuidado". Ouça aqui.

Por Revista Forum


Veja a transcrição completa do áudio abaixo:

“Ô Caco, vou falar uma coisa pra vocês, aqui a gente tá entre amigos, tá? Sempre que tiver um pardo, o pardo o que que é, não é aquele negão, né? Mas também não é o branquinho. É o moreninho da cor dele. Esses caras, têm que desconfiar de todos. Todos que tu conhecer. Essa cor é uma mistura de uma raça que não tem caráter. É verdade, isso é estudo. Todo pardo, todo mulato, tu tem que tomar cuidado. Não mulato tipo o Pedro. O Pedro é tipo pra índio. Tipo chileno, essas porra (SIC). Tô dizendo o mulato brasileiro, entendeu? Os pardos brasileiros são todos mau-caráter. Não tem um que não seja.”

Após repercussão o canalha racista se diz arrependido

Em nota, Adilson Durante Filho se disse arrependido. Leia abaixo:

Com relação a um antigo áudio de alguns anos atrás que circula nas mídias sociais, de minha autoria, gostaria de expor que, em um momento de infelicidade e levado pela emoção, em decorrência de um fato que muito me abalou, acabei me expressando de forma absolutamente diversa das minhas crenças e modo de agir. Jamais tive a intenção de atingir quem quer que seja, até porque assim me manifestei em um pequeno grupo de supostos amigos de WhatsApp. Consigno que não tenho qualquer preconceito em razão de cor, raça ou credo, pois minha criação não me permitiria ser diferente. Peço, humildemente, desculpas a todos que se sentiram ofendidos, e expresso, por meio deste comunicado, meu mais profundo arrependimento quanto às palavras genericamente proferidas.