Venezuela foi o primeiro país da América a adotar medidas extremas e efetivas de contenção do Covid-19. |
Anisio Pires (*)
Quem ouviu falar da Venezuela nos últimos tempos? Todos. A maioria através da mídia tradicional que repete de mil maneiras sobre sua horrível “ditadura”. No entanto, há quem busque a verdade, a informação que interessa à maioria dos povos, digna e verdadeira. Essa, conta heróicas lições de vida de um povo que resiste, porque atacado, mesmo no meio desta pandemia mundial.
Durante essa tragédia gerada pelo Covid-19, o governo dos EUA tem agido de forma criminosa, impedindo que empresas farmacêuticas e laboratórios vendam à Venezuela os insumos necessários para poder atender seu povo. Nunca foi tão descarada a realpolitik do horror. Apesar do alerta da Organização Mundial da Saúde (OMS) de que os EUA se tornaria o epicentro da pandemia, a cúpula criminosa e fanática que dirige esse país só enxerga uma nova oportunidade para tentar derrubar o governo revolucionário do nosso país e se apoderar de nosso petróleo e de outras riquezas. Até o presente momento, o governo Donald Trump tem negado a autorização de vôos humanitários que visam trazer de volta mais de 800 venezuelanos que estão naquele país, isolados e ameaçados pela pandemia, e que pediram à chancelaria venezuelana seu resgate.
Sendo “suspeita” essa versão venezuelana, olhem a tragédia que vive a Itália, um país da OTAN. Seu governo, ideologicamente próximo de Trump, foi completamente abandonado. A grande potência defensora das liberdades e dos direitos humanos lavou suas mãos, enquanto equipes da Venezuela, Cuba, China e Rússia prestam sua solidariedade ao povo italiano. Além disso, aviões russos levando especialistas e medicinas para socorrer a Itália foram obrigados a fazer um percurso mais longo porque alguns países da “União” Europeia não permitiram sua passagem. Não existem fake news neste planeta que possam contra essa verdade.
As fakes destrutivas contra a Venezuela são alternadas com convenientes e escandalosos silêncios. Numa nota do dia 20 de março da BBC News, sobre o combate ao Coronavirus na América Latina, este meio que tem como marketing sua “isonomia e objetividade informativa”, apagou descaradamente a Venezuela do mapa. Fez isso apesar de ter sido, leia-se bem, o primeiro país da América em adotar medidas extremas e efetivas de contenção do Covid-19.
Seguindo as orientações da equipe de especialistas que assessoram o Presidente Nicolás Maduro e as recomendações da OMS, a Venezuela vem pondo em prática, desde o dia 15 de março, aquilo que foi muito bem resumido pelo ex Presidente Lula alguns dias depois (19/03/20): “Primeiro salvamos o povo, depois a economia”. Hoje já se fala do “método venezuelano de enfrentamento a uma pandemia”. Do que se trata?
Primeiramente, o que se espera de um povo consciente que aprendeu a resistir e avançar, após vários anos de agressões imperialistas, é ir além. De saída, o Presidente Maduro decretou quarentena em 7 estados do país e, antes de decretar a quarentena geral no dia seguinte, houve estados onde a população ficou em casa por conta própria. Quanta diferença de outros países onde existem verdadeiros suicidas saindo às ruas, debochando da situação, ou pessoas inconscientes que precisam ser coagidas a ficarem nas suas casas. Enquanto nas “democracias” se age assim, na nossa “ditadura”, a Força Armada Nacional Bolivariana (FANB) tem coisas mais importantes a fazer, apoiando toda a logística de preparação de hospitais e ambulatórios para atender a população. Nossos pedágios e blitz apenas chamam a atenção daquela ínfima minoria inconsciente que sempre aparece. Por isso, em homenagem a esse comportamento exemplar do povo venezuelano, a Aviação Militar Bolivariana (AMV) pediu ao Presidente que lhe fosse permitido sobrevoar o céu de Caracas para desenhar o tricolor da Bandeira Nacional. No dia 21 de março, na chamada “Operação Alegria”, seis aviões Sukhoi, de fabricação russa, deram esse emocionante e orgulhoso presente para todo o país.
O método venezuelano de enfrentamento a pandemia tem 4 eixos básicos: 1) Quarentena Social em todo o território; 2) Despistagem ampliada e personalizada com base na pesquisa nacional do Sistema Pátria (testes para conferir se a pessoa possui ou não o vírus 3) Garantia do tratamento e remédios para os contagiados e; 4) Garantia de camas e do atendimento especializado nos casos que sejam necessários.
Esses eixos foram ordenados diretamente pelo Presidente da República e Comandante em Chefe da Força Armada Nacional Bolivariana (FANB), Nicolás Maduro, quem Preside e Comanda a grande equipe nacional e internacional que está lidando com esta emergência humanitária 24 horas por dia.
Foram dispostos de imediato, junto com a Quarentena Social Nacional, 46 hospitais sentinelas (públicos e privados) plenamente operativos e disponíveis para atender gratuitamente (também nos privados) os casos diagnosticados com o Covid-19. Possuímos 1.213 leitos em Unidades de Cuidado Intensivo (UCI) devidamente equipadas. Foram preparados 4.800 leitos, distribuídos nos 572 Centros Diagnóstico Integral (CDI) do país, uma espécie de SUS venezuelano, construídos a partir do Convênio Integral de Cooperação Cuba-Venezuela, assinado entre os Comandantes Fidel Castro e Hugo Chávez no ano 2000. Adicionalmente, já estão dispostos 4.000 leitos em hotéis privados para pessoas que apresentem sintomas da doença.
Mas a chave de tudo, como dizem os especialistas, está na efetividade do distanciamento social e na capacidade de detectar rapidamente os casos suspeitos para isolá-los de imediato, caso sejam confirmados. Na Venezuela isso foi possível pelo Sistema Pátria, um instrumento único de informação criado pelo governo bolivariano que inclui hoje quase 20 milhões de venezuelanos.
Representado singelamente por um carnê ou carteirinha, pessoal e intransferível, é uma plataforma digital de atendimento social multifacetário baseado na tecnologia de vanguarda do código QR que já vinha sendo usado pelo governo para pagamentos e bônus especiais entregues ao povo no enfrentamento à guerra econômica. Aposentados, mães gestantes e população em geral já receberam em alguma ocasião dinheiro por essa via. O sistema vem sendo usado também para que as pessoas, sem intermediação dos bancos, lidem com seus recursos, incluindo o Petro, a Criptomoeda venezuelana, a primeira a ser criada por um Estado e sustentada nas riquezas do país.
Por meio dessa ferramenta, sob orientação da OMS, foi realizada uma consulta rápida à população perguntando, num breve questionário, suas condições de saúde e possíveis sintomas da doença. Em menos de uma semana se obtiveram quase 15 milhões de respostas e, com base nelas, de maneira eficiente e efetiva, foram visitadas diretamente em suas casas àquelas pessoas que apontaram sintomas. Imediatamente, foi possível isolar os casos positivos, impedindo novos contágios. Num pais de 30 milhões de habitantes, com enormes fronteiras (Caribe, Brasil, Colômbia e Guiana), contabilizamos pouco mais de uma centena de casos e um óbito.
Essa virtuosidade do modelo venezuelano é um plus muito importante que veio fortalecer uma equipe muito decidida e comprometida, mas acima de tudo, humildemente sábia, pois vem tomando decisões junto ao Presidente a partir de analises e debates permanentes com pesquisadores e especialistas do mundo, levando em conta os erros e acertos dos outros países.
Tomando as palavras do ex-Presidente Lula, o mundo está dividido neste drama mundial entre os que pouco ou nada fazem, preocupados somente com a economia, e os que decidiram atender em primeiro lugar às pessoas. Por isso o Presidente Maduro adotou uma série de medidas concretas para viabilizar, de fato, a quarentena social.
Demonstrando que com vontade política revolucionária se protege a saúde do povo, dando ao mesmo tempo respostas socioeconômicas, o Estado adotou até agora as seguintes medidas:
-Assumir os salários de todos os trabalhadores públicos e privados nos próximos 6 meses.
-Proibição de demitir trabalhadores até o dia 31 de dezembro.
-Proibição de cobrar aluguel, prestações e juros de qualquer tipo pelos próximos 6 meses.
-Suspensão das taxas de luz, água e gás por tempo indeterminado.
-Proibição de cortar os serviços de telecomunicação no marco familiar nos próximos 6 meses, estabelecendo uma coordenação com todas as empresas de telecomunicação para melhorar e ampliar os serviços.
-Plano de Quitação da Folha de Pagamento para as pequenas e médias empresas através do Sistema Pátria.
-Manutenção do sistema de bônus para mais de 9 milhões de pessoas mediante o Sistema Pátria. O bônus “Março de Lealdade” já está sendo entregue e, na sequência, virá o bônus “Disciplina e Solidariedade”.
-Emissão do bônus “Fica em casa” para mais de 6 milhões de trabalhadores informais e da iniciativa privada.
-Suspensão por 6 meses dos alugueis de imóveis de uso comercial e os que são utilizados como moradia principal: “Ficam terminantemente proibidos os despejos forçados. Tanto de moradias principais como de comércios alugados”.
-Garantir, até o fim do ano, os recursos necessários para a distribuição de sete milhões de cestas básicas a 7 milhões de famílias (a cada 15 dias). Faz 4 anos que isto vem sendo feito pelos Conselhos Locais de Abastecimento e Produção (CLAP).
-Suspensão por até 6 meses dos pagamentos de capital e interesses de crédito, permitindo a comércios e industrias, que suspenderam suas atividades, terem um período para o pagamento de quotas e interesses.
-Suspensão dos interesses de mora e multa, bem como a reclassificação do risco de crédito.
-Reorientação da Pasta Única Produtiva, criada recentemente pelo Presidente Maduro, dirigindo todo o investimento financeiro para setores estratégicos (alimentação, agroindústria e suas cadeias, drogarias e farmácias, entre outros). Inclui um plano de emergência para facilitar esses créditos, sobretudo para os pequenos e médios produtores e para os produtores comunitários.
-Bancos serão obrigados a cumprir com o financiamento a todos os setores produtivos, sobretudo os setores populares que impactam diretamente no território, no espaço local. O Governo assumirá o regime de garantias de modo que esses créditos não sejam afetados pelos bancos.
-Exoneração de imposto e taxas à importação de matéria prima, bens de capital e insumos.
-Mobilização de 20 mil médicos, entre cubanos e venezuelanos, para visitar todas as casas, num grande mutirão para realizar exames prévios na população. A iniciativa conta com a ajuda da China que enviou 2 milhões de kits capazes de fornecer o resultado em apenas uma hora e da Rússia, que enviou mais 10 mil kits.
-Reforço social adicional chamando para trabalharem, com pagamento especial, todos os profissionais da saúde aposentados, assim como a convocação dos estudantes de enfermagem e medicina dos últimos anos.
É preciso mencionar fatos recentes que dizem respeito à luta geopolítica pela dignidade humana. A Venezuela vem denunciando o bloqueio criminoso dos EUA à sua economia, que é acompanhado de verdadeiros atos de pirataria imperialista. Aplicando medidas unilaterais e extraterritoriais, tem roubado do país empresas, ouro e capitais que superam os 30 bilhões de dólares. Por isso, apresentamos no dia 7 de março, perante a Corte Penal Internacional (CPI), uma denúncia formal e documentada de “crimes contra a humanidade” realizados pelos EUA contra o nosso país.
Dias depois, em 17 de março, numa ofensiva ético-política contra o bloqueio, a Venezuela solicitou ao FMI um empréstimo de emergência de 5 bilhões de dólares para combater a pandemia do Covid-19, os quais viriam de um programa de financiamento chamado Instrumento de Financiamento Rápido (IFR). Esses recursos não estão atrelados aos condicionamentos conhecidos do FMI, fato que uma pequena parte da esquerda não compreendeu. Na prática funcionou como uma “reivindicação de transição” para desmascarar a imoralidade desse organismo financeiro. Como era de se esperar, o FMI negou o pedido, utilizando uma insólita justificativa: “Lamentavelmente, o Fundo não está em condições de considerar essa solicitação (…) O compromisso do FMI com os países membros é baseado no reconhecimento oficial do governo por parte da comunidade internacional, como se reflete na filiação do FMI. Não há clareza sobre o reconhecimento neste momento”.
Ninguém se surpreendeu que no dia seguinte a Chancelaria russa acusasse de “hipócrita” essa resposta. O que surpreendeu, embora silenciado pela mídia, foram as declarações dadas no dia 23 de março pela União Europeia (EU), através do seu Chefe Diplomático Josep Borrel: “Temos acordado apoiar a solicitação do Irã e também da Venezuela ao FMI para ter apoio financeiro”. Pelo visto os europeus decidiram responder ao silêncio apunhalante e à omissão que receberam da parte de seu grande aliado, os EUA.
No dia 26 de março, durante a cúpula virtual do G20, o Presidente Vladimir Putin foi além. Discordando frontalmente da resposta do FMI à Venezuela, propôs “Um plano comum de ação”, incluindo um fundo especial promovido pelo FMI de financiamento aos países mais afetados pelo Covid-19. Também falou, entre outras coisas, da criação de “corredores verdes, livres de guerras comerciais e sanções” que garantam o fornecimento dos alimentos, medicamentos, equipamentos e tecnologias que respondam a essa crise.
No mesmo dia, os EUA também tomou suas “iniciativas”. Na contramão da tão propalada “ajuda humanitária”, decidiu ampliar sua lista de sanções ao Irã. Contra a Venezuela foi mais longe: apresentou, através de seu Procurador Geral William Barr, denúncia formal de narcoterrorismo, tráfico de armas e corrupção contra o Presidente Maduro e outros dirigentes do país. Toda essa fúria miserável e extremista contra países que não se submetem às suas ordens, ocorre simultaneamente ao fato dos EUA atingir, de forma alarmante, a primeira posição entre os países infectados pela pandemia.
Essas reações desesperadas permitem antever que a primeira potência, em decadência, sairá dessa crise mais enfraquecida do que nunca. A pandemia mundial do Covid-19 está produzindo um rearranjo das forças internacionais que mudará completamente o panorama do mundo.
Que lições os povos da América Latina e do mundo podem tirar do que está acontecendo? Que resistindo, pacientemente e com dignidade, poderemos ficar mais fortes e avançar na contraofensiva para vencer o Coronavirus e o imperialismo estadunidense que oferece a vida humana em sacrifício ao deus mercado. A razão, a verdade e a vida estão mais do que nunca do nosso lado. Coloquem o povo em primeiro lugar e digam, assim como nós na Venezuela…
Leais sempre, traidores nunca!
(*) Anisio Pires é venezuelano, Sociólogo (UFRGS/Brasil), professor da Universidade Bolivariana da Venezuela (UBV)
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