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quinta-feira, 16 de abril de 2020

Condições das aldeias geram preocupação com saúde dos indígenas

Foto: Júlia Pereira

PORObservatório do 3° Setor

Por: Júlia Pereira
O novo coronavírus representa uma ameaça a toda a população mundial. Mas certos grupos estão especialmente vulneráveis, seja por questões de saúde, seja por questões sociais e políticas. É o caso das comunidades indígenas brasileiras.
As experiências históricas mostram que epidemias têm uma capacidade muito maior de disseminação em comunidades indígenas. “No geral, eles têm um grau de convívio muito maior, seja em momentos de compartilhamento de comida, banho no rio, rituais que fazem parte do cotidiano da aldeia”, explica Ana Lúcia Pontes, coordenadora do GT Saúde Indígena da Abrasco e pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP/Fiocruz).
Outra questão que agrava a saúde indígena é a falta de infraestrutura. Os indígenas têm pouco acesso ao saneamento básico. Muitas vezes, eles não têm nem mesmo acesso suficiente a água potável. “Se a grande estratégia de prevenção do coronavírus, além do isolamento, é a higienização de mãos e de produtos, eles [indígenas] têm desafios para conseguir garantir essas medidas”, ressalta Ana.
A ignorância pública sobre a Saúde Indígena no Brasil
Aldeia Tekoa Pyau (SP) | Foto: Júlia Pereira
Mortalidade indígena
Pesquisadores e especialistas apontam que o grau de mortalidade de indígenas é de duas a três vezes maior em comparação a não-indígenas. 
Segundo Douglas Rodrigues, médico sanitarista, professor e pesquisador do Projeto Xingu da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), essa taxa é resultado de dois fatores.
O primeiro fator é biológico, já que alguns grupos indígenas vivem isolados e, quando entram em contato com um vírus pela primeira vez, acabam tendo complicações maiores, pois seu sistema imunológico não está preparado para defender o organismo contra aquele tipo de doença.
Esse contato com os vírus e doenças se dá, muitas vezes, pela invasão de não-indígenas nos territórios, interessados na posse ilícita de territórios e na extração ilegal de matéria-prima, como ocorre no caso dos madeireiros.
Essas pessoas partem dos centros urbanos, onde a ocorrência de doenças é maior, e carregam consigo os vírus para os territórios indígenas. “O que o Governo deveria fazer primeiro? Proteger os territórios, tirar garimpeiro, tirar madeireiro, que é um dever do Estado”, destaca o médico.
Mesmo durante a pandemia, as ações ilegais não param. No fim de março, indígenas Karipuna relataram ouvir ruídos de máquinas e motosserras próximos à aldeia, mostrando que os invasores voltaram às atividades ilegais no território tradicional. O comunicado foi divulgado pela Associação do Povo Indígena Karipuna (Apoika), o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e o Greenpeace Brasil.
O segundo fator é social, pois essas comunidades não são bem assistidas pelo sistema público de saúde e, quando os indígenas que vivem nelas adoecem, têm pouco amparo neste sentido. “De uma forma geral, a situação de saúde dos indígenas no Brasil é pior do que a dos brasileiros como um todo, as políticas públicas não chegam a eles com intensidade, eles têm dificuldade de acesso ao sistema de saúde”, explica o médico sanitarista.
Reivindicações do movimento
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), associação nacional de entidades que representam os povos indígenas do País, está atuando fortemente neste momento para orientar sobre a importância de ficar na aldeia, além de não receber ninguém de fora do território que possa carregar consigo o vírus.
A APIB também encaminhou uma carta aos governadores dos 26 estados e do Distrito Federal, solicitando que sejam adotadas medidas especiais de proteção aos povos indígenas durante a pandemia. 
Entre essas medidas está a disponibilização de uma casa de apoio específica para atender os casos de coronavírus das aldeias. “Hoje, existem as CASAIs, Casas de Saúde Indígena, mas elas não têm condições nem de atender os casos que já existem de outras doenças, imagina atender coronavírus? Não suporta”, afirma Sônia Guajajara, coordenadora executiva da APIB.
A ignorância pública sobre a Saúde Indígena no Brasil
Crianças brincando na aldeia Tekoa Pyau (SP) | Foto: Júlia Pereira
A associação também tem pressionado fortemente o Governo Federal para que seja adotado um Plano de Ação Emergencial para evitar os riscos de contaminação nos territórios indígenas, como por meio do fortalecimento do sistema de Saúde Indígena.
“Nós temos que pressionar o Governo Federal para construir hospitais de campanha ou mesmo hospitais comuns para atender especificamente os povos indígenas”, diz Sônia, que ressalta que os hospitais de campanha que estão sendo construídos em grandes centros urbanos são de difícil acesso aos povos indígenas de regiões mais afastadas.
A coordenadora da APIB ressalta que, com pouco investimento nos equipamentos de saúde voltados aos povos indígenas, o resultado pode ser um aumento no número de mortes. “Se a gente aguardar por esse atendimento na fila do SUS [Sistema Único de Saúde], como está sendo, pode ser que os indígenas não resistam considerando a imunidade baixa que já não resiste a tantas doenças”, finaliza.
A Saúde Indígena no Brasil
Em outubro de 2010, foi criada a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), responsável por coordenar e executar a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas no SUS. A pasta foi dividida em três áreas: Departamento de Gestão da Saúde Indígena, Departamento de Atenção à Saúde Indígena e Distritos Sanitários Especiais Indígenas
Em 2019, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, divulgou o plano de extinguir a Sesai e colocar a saúde indígena a cargo de uma futura secretaria de Atenção Básica. Outras atividades que não fossem atribuídas a ela seriam assumidas por estados e municípios. 
No caso das políticas indigenistas, existe um histórico de conflitos de interesses quando as medidas são geridas pelo poder municipal, porque, frequentemente, nos interiores do Brasil, os secretários municipais são os mesmos que disputam as terras com as comunidades indígenas.
Além disso, segundo Ana Lúcia Pontes, coordenadora do GT Saúde Indígena da Abrasco e pesquisadora da ENSP/Fiocruz, a Secretaria de Atenção Básica não considera as especificidades dos grupos indígenas. “Isso pode impactar na saúde, seja na questão que são comunidades que falam uma língua diferente, seja porque elas têm práticas e concepções de saúde distintas e a organização da Atenção deve considerar tudo isso”, explica.
O movimento indígena, então, reuniu-se com Mandetta com o objetivo de fazer com que o ministro recuasse na medida. A manifestação das organizações foi atendida e a Sesai, mantida.
Mesmo mantendo a Secretaria, por meio do decreto nº 9.795, o ministro retirou algumas estruturas importantes em termos de gestão do sistema, como o Departamento de Gestão da Saúde Indígena. Tais funções passaram para outros departamentos, colocando o movimento em sinal de alerta sobre estar havendo um processo de enfraquecimento da Sesai, além de uma ameaça às práticas tradicionais e a independência de gestão dos povos indígenas.

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